Após denunciar Covaxin, Luis Miranda reclamou do silêncio de Bolsonaro

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Três dias após ter se reunido com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), quando alegou ter denunciado suposto favorecimento na compra das vacinas Covaxin pelo Ministério da Saúde, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) reclamou sobre o silêncio do titular do Palácio do Planalto. O encontro ocorreu no dia 20 de março no Palácio da Alvorada. Em mensagens disparadas por WhatsApp no dia 23 de março deste ano, as quais o Metrópoles teve acesso, o congressista questionou ao ajudante de ordens de Bolsonaro o motivo da falta de respostas sobre do presidente sobre a pressão sofrida pelo irmão dele, Luis Ricardo Miranda, que é concursado do Ministério da Saúde, para autorizar a aquisição do imunizante indiano.

“Bom dia irmão, o PR [presidente da República] está chateado comigo? Algo que eu fiz? Só precisamos saber o que fazer em uma situação como essa”

Como resposta, o militar que assessora o presidente da República respondeu: “Bom dia. Negativo, deputado. São muitas demandas. Vou lembrá-lo”.

“Obrigado irmão! Você sabe que a vontade é de ajudar. Estamos juntos”, agradeceu o deputado, mas acabou ficando sem respostas.

Pressão

À coluna Janela Indiscreta, ainda nesta quarta-feira (23/6), o deputado Luis Miranda afirmou que o coronel Marcelo Pires foi um dos nomes dentro da alta cúpula do Ministério da Saúde a pressionar o irmão dele, Luis Ricardo Fernandes Miranda, para a compra da Covaxin.

O militar chefiava desde janeiro a Diretoria de Programas do ministério, mas foi exonerado em meados de abril após a chegada do atual ministro Marcelo Queiroga.

“O coronel Pires foi um dos que pressionou meu irmão a assinar a compra da Covaxin, mas o processo estava todo errado e cheio de falhas. Esse foi um dos pontos que levamos ao presidente Bolsonaro sobre o que estava acontecendo no Ministério da Saúde”, garantiu o congressista em conversa exclusiva.

No print encaminhado à coluna Janela Indiscreta, o militar que ocupava a diretoria da pasta escreveu: “Obrigada, meu amigo, estamos com muitos brasileiros morrendo. Precisamos fazer tudo para ajudar. O representante da empresa veio agora a noite falar com o Elcio para agilizar a LI para embarcar as vacinas esta semana. Quatro milhões”.

A reportagem tenta contato com a assessoria de imprensa do ministério e com o ex-diretor da pasta. O espaço será atualizado se houver manifestação oficial das partes.

Mensagens a Bolsonaro

Mais cedo, a coluna também revelou os prints de conversas com WhatsApp entre o deputado federal e um dos ajudantes de ordem do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), no dia em que o parlamentar e o irmão foram ao Palácio da Alvorada para falar sobre indícios de irregularidades na compra de vacinas, antes de a confirmação chegar ao Ministério Público Federal (MPF).

A repercussão das denúncias levou o vice-presidente da CPI da CovidRandolfe Rodrigues (Rede-AP), a requisitar segurança para o deputado federal, ao irmão dele e também para familiares.

O parlamentar disponibilizou ao Metrópoles as mensagens encaminhadas a um secretário do presidente da República, com os alertas de uma possível corrupção no processo de compras do imunizante indiano. A pedido do congressista, o nome do militar foi preservado.

“Avise o PR [presidente da República] que está rolando um esquema de corrupção pesado na aquisição das vacinas dentro do Ministério da Saúde. Tenho provas e as testemunhas. Sacanagem da porra… A pressão toda sobre o presidente e esses ‘FDPs’ roubando”, escreveu o parlamentar às 12h55 do dia 20 de março. Como resposta, o auxiliar de Bolsonaro respondeu com uma Bandeira Nacional.

Uma hora depois, Miranda insistiu: “Não esquece de avisar o presidente. Depois, não quero ninguém dizendo que eu implodi a República. Já tem PF e o caralho no caso. Ele precisa saber e se antecipar”. Da mesma forma, a resposta foi com o símbolo nacional.

O congressista, então, afirmou ao ajudante de ordens que estaria “a caminho”, dando a entender que faria uma visita a Bolsonaro no Planalto. Dois dias depois, no dia 22 de março, Miranda encaminhou documentos para o mesmo número do ajudante de ordens presidencial. “Meu irmão quer saber do presidente da República como agir”, insistiu.

Reunião com Bolsonaro

A coluna Janela Indiscreta confirmou que ambos estiveram no Palácio da Alvorada no dia 20 de março deste ano, quando o alerta teria sido feito ao chefe do Executivo sobre as investidas de autoridades do Ministério da Saúde para que a importação do imunizante indiano fosse acelerada. O depoimento do servidor do ministério foi dado ao MPF no dia 31 de março.

Tanto o deputado federal quanto o irmão devem ser ouvidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 na próxima sexta-feira (25/6). O requerimento de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) é direcionado aos dois e foi aprovado nesta quarta-feira (23/6).

O convite surgiu após o MP propor abertura de investigação criminal para apurar se houve irregularidades na compra superfaturada pela União das doses da vacina indiana, produzida pela Bharat Biotech.

De acordo com Luis Miranda, documentos e prints de mensagens de WhatsApp levados ao chefe do Executivo comprovariam a pressão, por parte de integrantes do Ministério da Saúde, para a compra da Covaxin.

A Procuradoria da República no Distrito Federal apontou descumprimento no contrato assinado entre a Precisa Medicamentos, representante da farmacêutica no Brasil, e o ministério por possíveis quebra de cláusulas sobre a entrega do imunizante.

Entenda

Um documento do Ministério das Relações Exteriores mostra que o governo federal negociou, no início de fevereiro deste ano, a compra da vacina indiana Covaxin por um valor 1.000% mais alto do que o preço anunciado pela fabricante seis meses antes. As tratativas ocorreram, portanto, mais de um mês antes do encontro dos irmãos Miranda com Bolsonaro e da denúncia feita ao MPF.

Em agosto do ano passado, o imunizante contra a Covid-19 foi orçado em 100 rúpias, valor que equivale a US$ 1,34 a dose, segundo a Bharat Biotech, laboratório que fabrica o fármaco. A informação consta em um telegrama sigiloso da embaixada brasileira na Índia.

O valor acordado com o Ministério da Saúde, no entanto, é mais alto — de US$ 15 por unidade, o que equivale a R$ 80,70, na cotação da época. A informação foi revelada pelo jornal Estado de S.Paulo.

Também chama atenção o fato de que, diferentemente das outras vacinas adquiridas pelo Ministério da Saúde, o contrato foi articulado com a Precisa Medicamentos, representante da Bharat Biotech no Brasil, e não com o próprio laboratório.

Outro telegrama do Itamaraty mostra que o embaixador brasileiro na Índia relatou críticas ao governo indiano por causa do valor pago pela vacina. Eles compraram o imunizante por US$ 4,10, quantia mais barata que a oferecida ao Brasil.