Mais de 100 trabalhadores sofrem com perda de audição por ano no DF

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Casos de perda auditiva induzida por ruído têm crescido. Cirurgião-dentista, pedreiro e agente de trânsito são as profissões mais afetadas

 

Nos últimos dois anos, passou de 100 o número de pacientes que tiveram diagnóstico de perda de audição no ambiente de trabalho no Distrito Federal. Os dados da Secretaria de Saúde (SES-DF) mostram um aumento das ocorrências de 2019 até então.

No ano passado, o DF teve 118 casos da chamada perda auditiva induzida por ruído (Pair). Em 2022, foram 131 pacientes acometidos pelo problema devido ao ambiente onde trabalham. A crescente vem desde 2021, quando a Secretaria de Saúde contabilizou 87 ocorrências. Em 2020, os números chegaram a apresentar queda, mas o declínio ocorreu por conta da pandemia de covid-19, avalia a pasta.

De 2019 até 2023 deste ano, foram 413 casos de Pair registrados no DF. A maioria dos pacientes são cirurgiões-dentistas (31 casos), pedreiros (30) e agentes de trânsito (29). Os dados são referentes a perdas parciais, de acordo com a SES-DF.

O conceito de perda auditiva induzida por ruído (Pair) é referente à diminuição gradual da sensibilidade auditiva. Essa redução ocorre devido a uma exposição contínua a um ruído, como o de máquinas, por exemplo, que ultrapassa uma intensidade de 85 decibéis.

Essa perda é sempre neurossensorial, e geralmente ocorre nos dois ouvidos. É irreversível, mas, caso o trabalhador deixe de ser exposto ao ruído, o problema torna-se passível de não progressão.

Conforme a Norma Regulamentadora 15 (NR 15), o trabalhador poderá ficar exposto até oito horas por dia a ruídos de intensidade de 85 decibéis. Acima dos 85 decibéis, o turno do trabalhador deverá ser reduzido pela metade, a cada acréscimo de cinco decibéis. Por exemplo, se o ruído de intensidade for de 90 decibéis, o trabalhador poderá ficar exposto ao ruído apenas quatro horas.

Causas do problema e a importância da prevenção

Para o fonoaudiólogo Guaraci Lima Jr., são vários os fatores que podem induzir à alta de casos de perda auditiva induzida por ruído no DF. “O ambiente da construção civil, por exemplo, é muito barulhento. O ruído pode nem estar perto do trabalhador, mas a intensidade é tão grande que acaba por atingi-lo”, explica o profissional. “Esses trabalhadores deveriam utilizar , mas muitos deles não usam. Às vezes, o EPI até está disponível para o funcionário, mas ele coloca quando chega um fiscal de obras e depois retira”, comenta.

A médica Danusia Konraht acredita que, nos anos anteriores, houve subnotificação de casos. “O aumento possui relação com a crescente de notificações de Pair, decorrente de uma melhor investigação e diagnóstico por meio de exames admissionais, demissionais e periódicos. A alta também tem ligação com o número de vagas de empregos em setores que expõem o trabalhador a ruídos, como, por exemplo, construção civil, campo e trânsito”, aponta a especialista.

Os médicos são unânimes ao ressaltar que o EPI é indispensável para que o trabalhador não sofra com redução na audição. “É uma perda que não tem cura, restando apenas o uso de aparelho auditivo. A alta exposição a ruídos causa lesão nas células ciliadas da cóclea, que nos fazem escutar sons mais agudos. O agudo dá o brilho das palavras e melhora a nossa compreensão. Por isso, a pessoa que tem perda de audição diz que escuta quando falam com ela, mas não consegue entender”, afirma Guaraci Lima Jr.

O otorrinolaringologista Jairo de Barros Filho complementa. “O principal cuidado que o trabalhador deve ter para se proteger é a utilização correta do equipamento de proteção individual, seja um fone de ouvido, um silicone, alguma coisa para impedir o ruído. Muitas vezes, o trabalhador sente algum incômodo com o EPI e não quer usar”, revela Filho.

Deveres das empresas

O empregador tem o dever de proteger o funcionário e a responsabilidade de garantir que ele está fazendo sua parte. “O empregador não tem que apenas fornecer o EPI, mas também se certificar de que seu trabalhador usa. É muito importante uma inspeção, ter alguém para, de vez em quando, em horários diferentes do dia, passar no local de trabalho para checar se todos estão usando corretamente o equipamento”, frisa o otorrinolaringologista Jairo de Barros Filho.

Para a médica Danusia Konraht, é necessário ainda “orientar o tempo limite de exposição ao ruído, realizar a manutenção periódica dos equipamentos que produzam esse barulho e fornecer um espaço com isolamento acústico para o repouso programado do funcionário”.

Já tive perda. O que devo fazer?

Como dito anteriormente, a prevenção deve vir antes do tratamento, uma vez que a perda é irreversível. Mas os especialistas relembram que a perda pode ser interrompida se o diagnóstico for feito a tempo. “A primeira coisa que o trabalhador tem que fazer é parar de se expor a ruídos intensos usando o EPI adequadamente. Além disso, é recomendável que o funcionário busque um otorrino para uma audiometria, onde será avaliada a necessidade do uso de um aparelho auditivo”, conta o otorrinolaringologista.

O que diz a SES-DF?

A Secretaria de Saúde do DF alega que houve alta de casos nos últimos anos porque, segundo a pasta, tem ocorrido um estímulo para que os casos sejam cada vez mais notificados às autoridades. “O aumento se deve a ações pontuais, específicas do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), de vigilância e estímulo à notificação e permanente capacitação dos profissionais envolvidos”, afirma.

A pasta informa ainda que tem desenvolvido ações voltadas para identificar as áreas de risco para audição em trabalhadores das usinas de reciclagem do DF. Essas iniciativas envolvem estudantes de fonoaudiologia em universidades da capital não especificadas. Juntos, a SES e as instituições estariam realizando “campanhas educativas quanto à importância do monitoramento das fontes de ruído com intensidade acima do limite de tolerância, uso do EPI, importância de pausas auditivas entre as jornadas, mudança de escala e rotatividade nos casos de exposição a ambientes com ruídos com intensidade acima do limite de tolerância”.

Após a publicação da reportagem, a gerente do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), da SES-DF, Juliana Moura, solicitou espaço para destacar que o empregador tem de ser o maior responsável pela prevenção do empregado. “A primeira coisa que tem que se fazer onde existe risco para o trabalhador é eliminar o risco. Não sendo possível eliminá-lo, é preciso substitui-lo por um problema menor”, disse.

Juliana baseia-se na hierarquia de controle de riscos de acidentes de trabalho para explicar ainda que, não sendo possível eliminar ou substituir o risco, é necessário isolar o funcionário ou mudar o método de trabalho. Somente após essas quatro opções, vem o EPI, na visão da gerente do Cerest-DF. “Ainda assim, o EPI vai reduzir de 15% a 20% do ruído. Ainda que o trabalhador use durante todo o turno, ele ainda corre risco”, frisa.

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